29 maio, 2013

Mudar

     Gosto das ruas, assim como de meus discos que comprei em pequenas livrarias velhas ou ganhei de bons amigos. Ambos têm som, ambos têm começo, meio, e fim. Ando pelas calçadas frias como o olhar de uma garota desiludida do amor, avisto um casal, estão acomodados no banco molhado da praça, tinha chovido muito, parecem apaixonados. Associei-os à uma música lenta como a folha de uma árvore ao cair no chão, porém alegre, e de acordes bem arranjados. Tomei coragem e os perguntei:
     - São felizes?
A moça, umedeceu-lhe os lábios e respondeu:
     - Não sei. Trataremos de ser felizes agora, pois não sabemos se continuaremos a aventurarmos juntos amanhã.
O rapaz completou:
     - Isso. Enquanto o mundo se mata enquanto pensa só no amanhã, preferimos pensar apenas no hoje, todos os dias. Estarmos felizes hoje é essencial para sermos felizes amanhã.
Assenti, e antes de tomar meu rumo, a garota perguntou:
     - E você, é feliz?
Me surpreendi com a pergunta, e com uma voz esganiçada, respondi:
     Gosto de mudar, mesmo que seja para andar até a outra rua, de outro nome, ou comer pães de queijo em diferentes padarias todos os dias. Mudar é como avançar para a próxima música, já sabendo de cor a primeira, ou pular o mesmo refrão de sempre. Minhas pisadas na calçada emitem sempre um som diferente, ruas diferentes, carros e ônibus diferentes, tudo para mim tem que ser diferente. Até o canto dos pássaros, até o suspiro ao provar um bom e quente chá. Minha vida é uma música, ora lenta e bem arranjada, ora acelerada e cheia de protestos, arrisco até música eletrônica de vez em quando. Gosto das ruas, pois quase nunca ando no mesmo lugar. E as músicas são assim também, nunca demais as mesmas. Minha vida não é assim, é sempre uma rua e uma música diferente.
     O rapaz, já impaciente, após tudo que eu disse, perguntou: 
     - Você ainda não respondeu se é feliz. Você é feliz?
     Não hesitei-me em responder: 
     - Amo as ruas e amo também a música.
     Um silêncio imperou, e segui até a padaria nova da rua ao lado para comer pães de queijo. Não! Desta vez não! Hoje, vou de queijo quente! Pão de queijo pode ficar para ontem. Hoje não. Hoje irei de queijo quente. Definitivamente...

26 maio, 2013

Vida Vil

Moro em sua vida
Na porta de seu trabalho
Vivo em todos os lugares
Vivo a rotina
De não ter rotina
Vida vil, pobre perfil
Vejo grandes prédios
Enquanto me encontro
Neste eterno covil
Gente apressada nas ruas
Pus-me a observar
Engravatados, maltrapilhos
Às vezes concluo
Que vivo num imenso enxame
Indivíduos cansados
De todos os lugares
Concentrados aqui
Em busca do melhor
Mas não é sempre assim...
Oh! Não é...

Moro em sua TV

Mas não engano mais ninguém
Larguei disso...
Moro em sua consciência
Não que eu seja um peso
Influencio positivamente
Mesmo você não sabendo disso
Em tua luta interior
Para não assentir
Em ser mais um demente
Desta grande pequena sociedade
Mas vocês não me ouvem...
Moro também nos becos
Perigo! Perigo!
Onde está o perigo,
Que não estou vendo?
Deve ser o perigo
Das ações destes
Que (não) interferem
Em minha vida vil
Pobres homens estes
Que precisam tanto de dinheiro
Eu preciso de mais
Muito mais...

O chão de minha casa

Está lotado de panfletos
Não sei ler muito bem
Mas pelo que vejo
É comida boa!
Meu calor se vai
Enquanto a garôa vem
Garôa? Já é chuva!
Ela cai, ela cai...
Gotas gélidas
Minha casa não tem telhado
Me esquento com a brasa
De meus sentimentos
Se for depender dessa gente
Para me aquecer
Oh! Pobre de mim...
Venha, totó! Venha comigo!

Vida vil, pobre perfil

A cidade é minha casa
Não pago imposto
Por ser mais um corpo ambulante
Neste grande covil
Que divido com outros milhares
Gente de mesmo perfil
Onde também sou obrigado
A ver donos de grandes telhados
Pisando em meu chão
Sujando por onde passam
E indo embora
Sem pagarem a diária
Ou o minuto, ou o segundo
Que por aqui estiveram
E ainda tem quem se atreva
E me expulsar
De meu cantinho
Bando de ingratos!
Não enxergam nem
Os donos deste imenso covil
Não agradecem
A casa não é deles!
Como assim?!
Estou aqui! Estamos aqui!

Não preciso de dinheiro

Preciso de mais...
Quem precisa de dinheiro
São esses corpos sem sentimento
Que vejo vagando
E lutando contra o próximo
Em busca dele
Pobres homens estes
Que precisam apenas do dinheiro
Me sinto mais rico
Que muitos dos que
Por aqui passam
Preciso de mais
De muito mais...
Me chamam de mendigo
Grande equívoco!
Mendigos são estes
Que vejo indo e vindo
De almas tão pobres
Que não valem um pão duro
Que por obrigação
Me jogam às vezes
Eu poderia jogar
Minha compaixão
De esmola à eles
Mas, não...
Estes pobres não merecem...
Não, eles não merecem...

24 maio, 2013

Reflexos

Sou errado às vezes, na maioria certo. Não sou bonzinho, tampouco truculento. As vezes me rendo ao fel, mas jamais meu limite será apenas o céu. A vida não tem sabor de mel, mas o amor ao próximo é importante para que ela não seja tão amarga assim...

23 maio, 2013

Meu Templo

     Guardião de meu templo, das cinzas ao fogo, cicatriz imensa em minha raiz... É, tudo tem seu tempo e aconchego. No calabouço do patriotismo onde vivo, tão injusto quanto os senhores de engenho que por aí suas sombras - ainda - circulam. Se minha vida tem dono, será que o dono sou eu? Será que compensa cada gota de suor? É bom ter resguardo, sempre bom. Vida esta, um diário apócrifo escrito por todos que por ela passam, enquanto escrevo minhas páginas com um lápis de ponta quebrada e sem borracha, vejo outras escritas com caneta tinteiro, bela caligrafia, parece que quem aqui escreveu jamais se preocupou com erros, afinal, erros estes não mais irão atrapalhá-lo por não estar mais neste mundo, apenas tirou o espaço dos que querem renovar esta eterna estória à lápis - sem borracha. Grandes eram os que clamavam pela liberdade que tenho hoje, mesmo que parcial. Branco, preto, mameluco, cafuso. Mente humana esta que me deixa confuso. Cada dia mais. Cada minuto mais. Minha casa é meu templo, onde sou livre para pensar e para ser quem sou de verdade. De oitiva, aprendendo com o sangue e com os gritos dos outros. Em meu templo não sou escravo de ninguém, enquanto lá fora estão matando e dizendo Amém. Vistas aquilinas da janela de meu templo. Realmente, não tenho tempo a perder... Guardião de meu templo, onde mando eu. A vida não tem dono, se teve ou ainda tem, não era para ter. A vida não tem dono, mas o guerreiro de meu templo sou eu. Neste templo, mando eu.

21 maio, 2013

Favelado

Pego o ônibus lotado
Rumo à zona central
Rotina de um favelado
Em minha vida sou
O personagem principal
Esperança que não acabou
E jamais irá acabar

Sou da zona sul

Quero ser alguém
Olhos vermelhos, céu azul
Quero ir além
Um brinde
À falta de motivação
Um trago
À descriminalização
Rumo ao bom
E modesto emprego
Dedicação é meu dom
Meu eterno apego

Muito mudou este país

Porém sinto
Como se fosse a raíz
De uma nação
De eterna cicatriz
Ganho pouco
Mas me sinto bem
Por isso me acham louco
Mas de minha consciência
Nunca fui refém

Ao sair de casa

Minha filha pediu
Que trouxesse para ela
Um pequeno doce
Abri minha carteira
O dinheiro acabou-se
Sem eira nem beira
Minha face entristeceu-se
Mas a cidade é bela
E nela interfiro
A maior do sul da esfera
E no bairro do Bom Retiro
Trabalho em função dela
Minha preciosa
Fruto de um grande amor
De carinho
E de enxoval rosa

Suor aparente

Nunca andei armado
Assim sigo em frente
Dia após dia
Mais um passo dado
Amor à vida
Apesar de seu indigno açoite
Sou favelado
Guerreiro de dia
Até que seja tarde
Sou favelado
Por minha filha
Por minha cultura
Sem alarde
Sem com o próximo
Ser covarde
Meu barraco é uma ilha
Neste eterno mar
Mar de desigualdade
E também de maldade...

07 maio, 2013

Vento do Polo

Não sei o que dizer no momento
Quando estou perto de você
Me sinto bem
Perfeitamente bem
Mas você está pálida
Fria e sem expressão...

Seu olhar me deixa paralisado

Seu corpo me chama todas as noites
Sua frieza me congela por dentro
Me congela como o vento do polo

Você é como esta ventania

Me congelando
Totalmente em você
Quero estar com você
Me leve assim
Como o vento do polo te levou

Muitas lembranças quentes

Nesses olhos frios
Muitos momentos marcantes
Nesta mente apagada
Todo o meu fogo está se apagando
Quero ser levado por você
E por esta maré infinita

Meu fogo aumenta quando lembro

Dos teus lábios quentes
E o fogo diminui quando os vejo
Agora frios e pálidos
O tempo está se esgotando
Quase não há mais fogo
É tempo de refletir
E te levar à tua última casa

Não se acorda do pesadelo real

Nem se dorme nele
Não sinto mais
Teu fogo interior
Tampouco sua vida
Junto à minha

Você partiu

Como um ar viciado
Traga-me por favor
O ar puro novamente
Assim como faz e como fez
O vento do polo
Penso em como está agora
Sendo sustentada pelas lembranças
Que também aqui enterro...

Ainda sou Feliz Neste Mundo que Tanto se Contradiz...

Um simples idoso viciado
Sentado na cadeira de balanço
Nunca mais andei armado
De tanto tentar fugir
Do que fui
As vezes me canso
O sangue da guerra
Corre em minhas veias
Lembranças de um pobre aventureiro
Não consigo achar minhas meias
E nem um mundo melhor
Do qual não fui herdeiro

Ainda sou feliz

Neste mundo que tanto se contradiz
O passado me traz dor
Era um bom menino
Fugi das raízes
O destino sombrio me tira
A oportunidade de
Saber como é sentir amor

Mãos calejadas e desidratadas

As mesmas que tiraram muitas vidas
Vivendo o antes à minha maneira
Espero gravetos
Em vez de rosas envelhecidas
Vejo vida, vejo morte
O espelho reflete meu rosto enrugado
O rosto daquele
Que um dia achou que
Ser forte era a única sorte

Sentado na cadeira de balanço

Sem medo de ver a morte chegar
Um lindo jardim
Pássaros cantando
Chorando e rezando
Pelas vidas que pus fim
Seis décadas se passaram
E o arrependimento
Me custou o fígado
Drogas pesadas
Substituíram pessoas
Meu braço dói
Me sinto surrealmente feliz...

Ainda sou feliz

Neste mundo que tanto se contradiz
O passado me traz dor
Era um bom menino
Fugi das raízes
O destino sombrio me tira
A oportunidade de
Saber como é sentir amor

Eis-me aqui armado

No campo de concentração
O passado insiste em ir e vir
Honra e cidadania
Me levaram à maldição
De não ter para onde fugir
Sem esperanças
De uma noite de lucidez
Me acabando junto com o mundo
Levo este peso
Sou a vítima da vez
Careço daquele sincero
Sentimento mais profundo

Simples distrações variando

Desde olhar a paisagem 
Até cortar um peixe
Não de mesmo sangue
Daqueles pobres homens
Que matei friamente
No Terceiro Reich
Levo hoje do passado
Meu único conforto
O dinheiro...

Estar vivo é o que nem sempre

Para um homem
Que fez o que fiz
É o melhor a se fazer
O destino severo
Me trouxe até onde estou
Pés de alface e galinhas
Dependem de mim
Para ninguém mais
Tenho importância
Dependência química
É o que me restou
Sem medo de estar
De frente com o fim

Um mero detentor dos frutos

De meu próprio trabalho
Passo o dia todo
Falando sozinho
Não tenho mais amigos
Para jogar baralho
Expresso a solidão
Em meu violão de pinho
Vivo a ilusão de pensar
Que fui um herói de guerra
Em minha querida Berlim
Mesmo passando
Todas as noites acordado
Vendo o dia clarear
Percebendo que nada fui
E nada mais serei...
Toda substância
Agora é pouco
Eu quero mais
Até não poder mais...

06 maio, 2013

Trabalho na Rua

Trabalho na rua
Não tenho patrão
Poucas moedas no bolso
Não virei ladrão
Mas corro como sempre
Da avenida à estação
Levo minhas coisas nas costas
E o que não der levo na mão
Me tratam como um bandido
Mas levam meu ganha pão
Minha voz ninguém ouve
Exceto os de bom coração

Trabalho na rua

Pessoas admiram o que faço
Com um ou outro
Até crio um laço
Apenas mais um na metrópole
Tal como uma estrela no espaço
Poucos compreendem meu brilho
Mas sigo sem amarrar o cadarço
Em busca de mais uns trocados
Ou um aperto de mão, um abraço

Trabalho na rua

Uma imensa cidade
De muitos números
E pouca solidariedade
A garôa vira chuva
Uma enchente de realidade
Onde uva vira vinho
Se não escapar
Do que pisa na verdade...