14 abril, 2015

Shopping

Centros de compras são deprimentes
Quando entro é para um chope gelado
Pessoas frias e exigentes
Nem todas, deste local de ego alagado

Bonito, caro, charmoso e útil
Chato, pesado, desnecessário e inútil
Quando ando por aqui quase não vejo
Afeto, carinho ou bocejo
Produtos que não deixam ser maior
O interior do homem de cabeça menor

Julgo-me também por estar aqui
Por isso aqui escrevo de lápis antigo
No lugar mais superficial que já vi
Onde o material é nosso melhor amigo

Perito

O verde da árvore é vermelho
E o vento incolor é azul
A natureza é o grande perito
O vermelho é o amor
E o azul, o infinito.

Rascunho

Não sujo as pobres áreas verdes ricas
Mas do que outros fazem não fujo
Alguns também pagam por erros meus
Como, por exemplo, ao pisar num caramujo
Mas as consequências da devastação do verde
São parecidas com as de assoprar
Um apontador sujo...

Parques

Se eu acreditasse em céu e inferno
Diria que os parques são o purgatório

Onde se reflete ou se escreve num caderno
Sobre nossos vícios ou falta de amor-próprio
Cada segundo que parece eterno
Que transforma angústia em acessório
Que tudo se resolva antes do inverno...

13 abril, 2015

Prioridade

O dia de hoje foi um porre de pinga, da mais barata
Daquelas que derrubam na calçada quando chega ao final
E que, no outro dia, certamente, será digno de errata
Fui trabalhar sem comer meu pão integral
Uma cerveja da boa, a preço de magnata
Me guiou até a cidade num ritmo nem tão essencial
Uma bala de hortelã e tudo ficou novo novamente
Mal tinha um trocado para um almoço decente
O que eu tinha foi para o aparelho celular
Um bom negócio num aleatório incidente
As notícias da manhã eram quentinhas!
Inflação, tráfico, desaparecidos, trânsito e acidentes
Secretárias? Queria ter as minhas!
O serviço fica para depois, pode esperar
Já no rádio cheguei a ouvir sobre os mendigos
Sendo expulsos da avenida principal
De pequenos terrenos a prédios antigos
Sempre me pedem cinquenta centavos ou um real
Nunca dou dinheiro, pois não tenho um puto!
Meu bolso anda tão vazio quanto o deles
Isso havia me lembrado algo que me tirou um sorriso
Que tenho quase seiscentos reais para o tênis novo
De última geração! Andarei com estilo pelos pisos
Dos shoppings, das baladas e dos restaurantes
Destaque nas ruas, igual diz o comercial
É ruim demais não ter dinheiro para um bom almoço...
O expediente estava terminando e eu ficando louco
O trabalho, mais uma vez atrasado, me senti no fundo do poço!
Mas ninguém pode reclamar, fiz mais que o mínimo, um pouco
Ao sair do trabalho, aquele alívio pelo pior ter passado
Fim de tarde, metrô lotado e gente querendo chamar a atenção
Ignorei-os. Odeio esses metidos a última bolacha do pacote!
Reclamei com meia-dúzia sobre a superlotação da estação
Ninguém prestou atenção no que falei, pareceu até um boicote
Odeio quando não prestam atenção no que digo!
Ao chegar em casa, abri a geladeira e peguei um pacote
Aqueles salgadinhos são tão gostosos que nem meu cachorro recusaria!
"Sai pra lá, totó! Tua ração comprarei amanhã! Não tem o que comer!"
Terminei de comer, deitei no sofá e cochilei à reviria
Minha vida não melhora, não tinha o que fazer!
Cochilei mais e fui botar o lixo para fora
Livros didáticos antigos e cadernos de questões a responder
"Deixa pra lá! Só ocupa espaço!"
Talvez o gari teve trabalho para carregar os sacos...
Pensei em como faz falta um relacionamento ou um simples abraço
E acabei me lembrando do quão insuportável é minha vizinha
Todos os dias querendo me incomodar em casa, querendo ver filme
Fumar um cigarro comigo e acabar com todo o meu maço!
Por fim, escovei os dentes e lembrei do jogo do meu time
Bem na hora do expediente! Isto não é justo!
Se bem que alguma boa alma poderá adiantar o serviço para mim...
Logo decidi que terei uma forte virose
Perder a final do campeonato é que seria injusto!
E agora, eis-me aqui, cabisbaixo e pensativo, na neurose
Pensando em mais um dia horrível que tive
Como pode tanta gente elogiar o céu ao fim da tarde?
É a pior hora do dia! Metrô lotado e gente esquisita ao redor!
Com a cabeça no travesseiro sempre me pergunto:
"Por que a vida é tão injusta comigo?"
Agora, infelizmente, não está sendo diferente
O que posso fazer para que minha vida melhore?
Já sei! Lembrei de algo importante!
Ainda sobraram alguns livros na estante
Alguns de geografia ou algo menos maçante
Deixarei-os organizados para amanhã
O gari terá menos peso, desta vez...

10 abril, 2015

Mãe-Sonho

     O sonho é uma boa mãe. Já me deu coisas como um sobrado em Fulham com um grande quintal para vários cães e o chá tranquilo aos domingos, com requeijão, bolacha e pães e uma brisa vindo da janela, e quando eu menos esperava, dava-me a companhia de meu amor. Segundos que duravam horas, horas felizes sem dor. Felicidade esta que abria escolas, abrigos para cães ou um restaurante vegetariano, isso me fazia fugir dos padrões problemáticos os quais persistiam em minha vida, mas de tão mimado que fiquei, essa boa mãe foi passear, não hesitou em me castigar e me fez acordar, "perdendo" tudo. Mas nada foi real (ou foi?) - mas parecia - pois é, acho que não. Acordei, enxerguei aquela bagunça de sempre, tudo indiferente, velho ou caindo aos pedaços e aquela obrigação chata de fazer o que não gosto para ter que ganhar a vida... a vida que já tenho.
     Mas o sonho é sim uma boa mãe: se ela não me fizesse acordar e me castigasse, eu viveria eternamente num mundo irreal. Não que isso seja ruim, mas usufruir da vida que tenho, mesmo sem o sobrado em Fulham ou o chá de praxe dos domingos, é mais prazeroso. Por isso agradeço ao meu sonho por ser uma grande mãe, ter me dado o devido castigo, pois agora que acordei, posso ter tudo que sonhei em todos os mundos. Mundos em que vivo, vidas que ganho. Tudo na vida tem seu valor, e nenhum vale mais ou menos que o outro, é como um quebra-cabeça em que a peça menor tem a mesma importância de outra peça maior. O meu grande erro pode estar na forma que enxergo tudo ao meu redor, pois tudo tem valor, principalmente minhas quedas. Viver uma vida baseada em tapar um buraco que eu mesmo cavei não é a melhor do mundo, mas é a primeira grande missão deste meu recomeço, fazer do buraco um grande pico. Me concentrar naquelas obrigações chatas e escapar um pouquinho de vez em quando...
     Qual a próxima missão? A próxima missão é revisar a conclusão da atual. O agora é a melhor época da vida, o que passou ficou pra lá, e o que vai passar ninguém sabe. Quem sabe um dia eu possa ter um chá de domingo em Fulham, como sempre sonhei? Ou diferente! Pode ser aqui por perto, mesmo. A minha melhor moradia é minha consciência, limpa ou suja, mas um bom anfitrião sempre bota ordem no lar. Não será diferente comigo...

03 abril, 2015

Dezessete

Mamãe, venha aqui no fundo!
Estou ferido e não foi por espada
Eu nunca tive um bom escudo
Chorava tanto pelas suas palmadas!
Mas não por faltar aos estudos
Aqui, sem poder chorar, bofetadas
Mãos enormes num rosto miúdo
A vida se torna uma grande cilada
Quando os maus conquistam o mundo
Completei dezessete descendo escadas
Pensando em nada e em tudo
Um banho de sol, um conto de fadas
Gritando até quando encontrava-me mudo
Achei que morreria de forma antecipada
Aprendi certo e errado neste submundo
Me tornei certo de uma forma errada
Mamãe, perdoe-me por deixar-lhe magoada!
Não me chame também de vagabundo
Quando crescer, lembrarei de suas chineladas
Quando eu nos tirar do poço, lá no fundo
Você me faz uma pessoa amada
Não chores mais pelo meu passado imundo
A vida é presente, farei minhas malas
Me leve à lanchonete do seu Raimundo
Obrigado pela segunda chance a mim dada!
Só você mesmo neste mundo...
Fui obrigado a crescer rápido demais
Me tornei um homem de dezessete
E nunca mais pegarei num trinta e oito
Mesmo nunca tendo usado, cabeça limpa!
Eu poderia agora estar morto
Mas ainda bem que tenho minha mãe...