Um homem esbarrou em mim enquanto eu
ia pagar algumas contas no centro da cidade. Ele parecia feliz, porém
insatisfeito. Insatisfeito com o quê? Deu vontade de perguntar. Notamos
facilmente quando alguém está insatisfeito, mesmo quando a insatisfação vem disfarçada
de sorriso ou até uma gargalhada, principalmente hoje em dia, onde sarcasmo e
ironia estão na boca de todos que não sabem ser sarcásticos ou irônicos. A
insatisfação pode se disfarçar de palhaço, que abre um imenso sorriso à criança
eufórica que está ali perto, mas que pode ter dentro de si próprio uma criança
tão chorona quanto as que acabam de vir ao mundo. Irônico, não? O homem corria
em direção ao banco que já estava por fechar. Não tinha necessidade de correr
tanto assim, afinal, mal eram três e quarenta e cinco da tarde e o banco estava
logo ali, há menos de um minuto andando tranquilamente. Deve ser um homem de
negócios. Deve ser feliz, mesmo que sua felicidade possa ser a desgraça de
outros bons corações por aí. Também penso no que pode ser a felicidade; talvez ela
seja como os içás, que aparecem no verão e somem o resto do ano, ou também
como as árvores, fortes e bonitas, aquelas poderiam durar cem, duzentos,
trezentos anos, mas que de repente são derrubadas sem uma explicação
convincente. Acredito que a tão desejada senhorita Felicidade tenha esses dois
disfarces mesmo. Pode aparecer num verão qualquer e já sumir, ou pode parecer
que vai durar para sempre e num piscar de olhos, tudo se passou.
Felicidade ou não, insatisfação ou
não. Tudo é tão relativo. Só de saber que aquele homem apressado – e
aparentemente nervoso – é feliz, já me dá uma coceira na cabeça. Paguei minhas
contas na avenida principal do centro da cidade e voltei pela mesma rua – a do
banco – para comer um daqueles pastéis frios que foram rejeitados o dia inteiro
encostados na estufa – afinal, o dinheiro era pouco, mais que nada – e tornei a
ver aquele mesmo homem, só que entrando em seu carro que estava na zona azul –
ainda parecia nervoso – e saindo, não com menos pressa de quando tinha ido ao
banco, para algum lugar que não me interesso por saber. Será que felicidade é
“isso”? Será que a senhorita Felicidade não passa de uma impostora, que nos
ilude em nossos sonhos como uma princesa que nos encanta, e que na realidade se
torna uma monstra e modifica completamente o nosso comportamento? O que percebo
nessas pessoas que vejo e conheço por aí é que, quase todos acham que
felicidade é “não ter problemas”, ou “nunca mais se estressar e viver em
completa harmonia a vida toda”. Sim, felicidade pode ser isso, nos contos, nas
fábulas, nas dissertações e em redações de vestibulares. A realidade é bem
diferente disso tudo. Aquele homem – que parece ser homem de negócios – estava
nervoso e apressado para resolver algo naquele banco, mas mesmo não
expressando, ele devia estar satisfeito. Para quê sonhar a vida inteira com a
tal “felicidade” e acordar talvez apenas no final? Felicidade é momento, uma
eterna variante, satisfação é uma constante. A felicidade pode durar um segundo
em uma vida inteira totalmente solitária e sem graça. Alguns dizem que vale a
pena, eu já não sei. Acho que não vale. Acredito que a satisfação sim é algo
que devemos ter como meta em nossas vidas. Independente de dinheiro, bens
materiais ou vida social. Não há coisa melhor para cada um do que estarmos
satisfeitos com nós mesmos. Isso, para mim, é a tão falada “felicidade”. Existe
a senhorita Felicidade, a da ficção, a utópica, e a tão respeitada “senhora”
Felicidade, a da realidade, a essencial, que não usa o nome “felicidade” por
aí, ela prefere ser sincera com as pessoas que tentam conquistá-la. Ela prefere
se chamar “satisfação pessoal”, ou “consciência tranquila”, e por que não se
chamar também “verão”, ou “pequenos momentos para se recordar”? Bom, a
“senhora” Felicidade tem mais disfarces que a insatisfação ou a utópica
felicidade, mas os disfarces são acessíveis a todos.
Me confundi no começo ao pensar em tudo isso por
conta apenas de um simples acontecimento, mas logo me encontrei em meus vagos
devaneios. Terminei o pastel, paguei a imensa conta no valor de dois reais e
segui para casa – à pé e satisfeito – tentando enxergar mais alguns disfarces
pelo caminho. Quem sabe acabo encontrando por aí, alguma felicidade
disfarçada...