26 novembro, 2013

Disfarces



     Um homem esbarrou em mim enquanto eu ia pagar algumas contas no centro da cidade. Ele parecia feliz, porém insatisfeito. Insatisfeito com o quê? Deu vontade de perguntar. Notamos facilmente quando alguém está insatisfeito, mesmo quando a insatisfação vem disfarçada de sorriso ou até uma gargalhada, principalmente hoje em dia, onde sarcasmo e ironia estão na boca de todos que não sabem ser sarcásticos ou irônicos. A insatisfação pode se disfarçar de palhaço, que abre um imenso sorriso à criança eufórica que está ali perto, mas que pode ter dentro de si próprio uma criança tão chorona quanto as que acabam de vir ao mundo. Irônico, não? O homem corria em direção ao banco que já estava por fechar. Não tinha necessidade de correr tanto assim, afinal, mal eram três e quarenta e cinco da tarde e o banco estava logo ali, há menos de um minuto andando tranquilamente. Deve ser um homem de negócios. Deve ser feliz, mesmo que sua felicidade possa ser a desgraça de outros bons corações por aí. Também penso no que pode ser a felicidade; talvez ela seja como os içás, que aparecem no verão e somem o resto do ano, ou também como as árvores, fortes e bonitas, aquelas poderiam durar cem, duzentos, trezentos anos, mas que de repente são derrubadas sem uma explicação convincente. Acredito que a tão desejada senhorita Felicidade tenha esses dois disfarces mesmo. Pode aparecer num verão qualquer e já sumir, ou pode parecer que vai durar para sempre e num piscar de olhos, tudo se passou.



     Felicidade ou não, insatisfação ou não. Tudo é tão relativo. Só de saber que aquele homem apressado – e aparentemente nervoso – é feliz, já me dá uma coceira na cabeça. Paguei minhas contas na avenida principal do centro da cidade e voltei pela mesma rua – a do banco – para comer um daqueles pastéis frios que foram rejeitados o dia inteiro encostados na estufa – afinal, o dinheiro era pouco, mais que nada – e tornei a ver aquele mesmo homem, só que entrando em seu carro que estava na zona azul – ainda parecia nervoso – e saindo, não com menos pressa de quando tinha ido ao banco, para algum lugar que não me interesso por saber. Será que felicidade é “isso”? Será que a senhorita Felicidade não passa de uma impostora, que nos ilude em nossos sonhos como uma princesa que nos encanta, e que na realidade se torna uma monstra e modifica completamente o nosso comportamento? O que percebo nessas pessoas que vejo e conheço por aí é que, quase todos acham que felicidade é “não ter problemas”, ou “nunca mais se estressar e viver em completa harmonia a vida toda”. Sim, felicidade pode ser isso, nos contos, nas fábulas, nas dissertações e em redações de vestibulares. A realidade é bem diferente disso tudo. Aquele homem – que parece ser homem de negócios – estava nervoso e apressado para resolver algo naquele banco, mas mesmo não expressando, ele devia estar satisfeito. Para quê sonhar a vida inteira com a tal “felicidade” e acordar talvez apenas no final? Felicidade é momento, uma eterna variante, satisfação é uma constante. A felicidade pode durar um segundo em uma vida inteira totalmente solitária e sem graça. Alguns dizem que vale a pena, eu já não sei. Acho que não vale. Acredito que a satisfação sim é algo que devemos ter como meta em nossas vidas. Independente de dinheiro, bens materiais ou vida social. Não há coisa melhor para cada um do que estarmos satisfeitos com nós mesmos. Isso, para mim, é a tão falada “felicidade”. Existe a senhorita Felicidade, a da ficção, a utópica, e a tão respeitada “senhora” Felicidade, a da realidade, a essencial, que não usa o nome “felicidade” por aí, ela prefere ser sincera com as pessoas que tentam conquistá-la. Ela prefere se chamar “satisfação pessoal”, ou “consciência tranquila”, e por que não se chamar também “verão”, ou “pequenos momentos para se recordar”? Bom, a “senhora” Felicidade tem mais disfarces que a insatisfação ou a utópica felicidade, mas os disfarces são acessíveis a todos.
     Me confundi no começo ao pensar em tudo isso por conta apenas de um simples acontecimento, mas logo me encontrei em meus vagos devaneios. Terminei o pastel, paguei a imensa conta no valor de dois reais e segui para casa – à pé e satisfeito – tentando enxergar mais alguns disfarces pelo caminho. Quem sabe acabo encontrando por aí, alguma felicidade disfarçada...

6 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, bem verdadeiro. Esse texto, também me fez lembrar de um grande educador que tinha a seguinte frase no qual transformou-se num livro: " Ostra feliz não faz pérola" (Rubem Alves). Recomendo!

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    1. Muito obrigado, Adriana! De coração mesmo! Sei pouco sobre ele, sei que é psicanalista e escreveu alguns livros sobre temas existenciais. Gosto muito deste tema."Brinco com a minha tristeza como quem cuida de uma amiga fiel…" amo esta frase! Procurarei este livro, obrigado pela recomendação, viu?

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    2. Imagina. A frase é bonita, mesmo! tenho certeza que vai gostar do livro e do autor.

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  2. Parabéns irmão!
    Sem palavras, pra mim foi a parada mais foda que você já escreveu e uma das mais fodas que já li.

    Progresso.

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    1. Poxa, muito bom saber que gostou, irmão! Obrigado mesmo, de coração!

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