29 agosto, 2013

Chance

Oi, moço!
Tenho que chamá-lo de senhor?
Está certo, desculpe-me.
É para eu dizer meu nome?
Meu nome não faz muita diferença
Acredite em mim!
Nem eu sei meu nome
Alguns me chamam de pretinho
Ou até de ladrãozinho
Outros, nem me chamam
Agradeço por me ver chegar
E não correr de mim
Normalmente, é assim que acontece
Devo ter treze anos
Não tenho currículo
Mas tenho experiência
Moro num cubículo
Sou mais uma vítima
Da ineficiência
Do que me prometeu o bem
Sempre vejo violência
Vidas que vão, vidas que vêm
E eu, continuo aqui
Ontem vi alguém dizer amém
Enquanto meu pai ia para o além
Tráfico de drogas
Não teve chance na vida
Não quero ter o mesmo fim dele
Por isso estou aqui
Sei que ainda sou novo
Para trabalhar com o senhor
Mas não vejo outra alternativa
Fui expulso da escola
Por roubar comida
Cinquenta anos da diretora
Não dá metade da minha vida
Não tenho brinquedos
Antes de morrer
Meu pai ia me dar um
De ferro, até brilhava!
Contava os dias
Para os meus dezoito anos
Hoje não penso mais nisso
Só quero uma chance
A chance que o senhor pode me dar
Se acreditar na criança aqui
Já ouvi dizerem que
Homem se resume por idade
Outros querem mostrar que são
Fazendo maldade
Já roubei, mas nunca matei!
Roubei de fome
Quando vou dormir
Sobre um pedaço de papelão
Quando tenho vergonha
De voltar para casa
Penso no que estou me tornando
A deixo preocupada
Não aviso onde estou
Mas lembro que nem meu nome sei
Agia como mandava a lei
Perdi tudo
Meu maior presente
Foi um pão crocante com rosbife
Que veio dentro da lancheira
Do menino de pai médico
Eu mesmo me dei
Oh! Quem não conhece a guerra
A julga por não saber como ela é
Deve ser fácil falar da guerra
Estando em paz
Na guerra, não temos tempo
Para pensar
Só temos tempo para agir
Se não agirmos
Boom! Preciso dizer mais?
Mas preciso mudar
Como eu disse
Não quero terminar como meu pai
Minha mãe? Oh! Minha mãe...
Nem sabe o que já fiz...
Quero dar um sorriso
Àquela rainha
E se me der este emprego
Eu vou conseguir!
E aí, o que me diz?
Vai me ligar em três dias?
Como assim? Não tenho celular!
Nem mexer nisso sei
Bom, em dois dias
Darei meu número de contato
Não tenho como comprar
Mas darei um jeito
Se for pelo emprego
Vai valer a pena
Pode marcar! Em dois dias
Terei um celular
Se for pelo emprego
Valerá a pena
Mais uma vez... Apenas mais uma vez...

21 agosto, 2013

Ponto de Vista

O que diferencia o céu do inferno?
Ando pensando muito nisso
Todos os dias que vou trabalhar
Sinto a impressão de ver ambos
No mesmo lugar, ao mesmo tempo
Dia após dia, nunca muda
Pouco céu para muito inferno
Mas ambos pesam o mesmo
Todo o inferno
Custando um pedacinho de céu
É o que parece, é o que vejo

Se realmente existe inferno e céu
Certamente estão juntos
De mãos dadas, como um casal na praça
O céu está para caçador
Enquanto o inferno, para a caça
Por que tem que ser assim?
Se o céu é tão grande como dizem
Por que não dividir com o próximo
Um pouquinho dele?
O inferno deve ser um cobertor
Daquele velho que esquenta mendigos
Afinal, se inferno existe
Eles vivem nele

Mas encontro ao lado deste inferno
O que pode ser gente no céu
Saúde boa, bolso cheio
Nem sempre pelo próprio esforço
Vida irônica...
Um garotinho mulato, sujo na calçada
Ele deve viver no inferno
Mas o que me impressiona
É que o inferno onde ele vive
É no mesmo endereço
Que o céu
Enquanto aquele senhor
Que parece ser empresário
E olhando feio para o garotinho
Vive no céu
Que para mim, mais parece um inferno

Muitos trabalham todos os dias
Até a última gota de suor cair
Enquanto poucos
Se sentem aborrecidos
Em acordar cedo
Muitos fazem de bom grado
Enquanto poucos exigem
Como se estivessem armados
Decididos a atirar

Dizem que o céu é azul
E que o inferno é vermelho
Acho mera bobagem
Direi uma verdade
Prefiro o vermelho do por do sol
Ao azul do mar
Inferno e céu andam de mãos dadas
Até mesmo no próprio mar
O azul do dia-a-dia dos peixes
Se torna vermelho quando são pescados
Mas o vermelho dos peixes
Se torna o azul de uma criança faminta
Que vive no vermelho graças ao azul
Daquele patrão que subiu de cargo
Graças à falsa simpatia
E que agora fez o azul dos funcionários
Se tornar vermelho, cada vez mais
Pois é, as cores realmente
Não significam nada
Pelo menos, para mim...

Se o céu que muitos tanto dizem sobre
É tão bom assim
O ser humano não o merece
Mas, se o inferno que os mesmos dizem
É tão ruim assim
Seria uma injustiça se
Todos os seres humanos
Fossem para lá
Sempre tem quem não merece estar onde está
E normalmente ninguém liga para isso
Ou ligam, mas fingem não ligar
Mas ainda consigo ver
Gente que vive neste inferno
Querendo mudar-se para o céu
Enquanto muitos que estão neste tal céu
São dignos de um espaço pequeno no inferno
O casal sempre anda de mãos dadas
E não tem data para terminarem
Este relacionamento
Que beneficia alguns
E prejudica quase todos

Pensando em tudo isso
Logo concluo que
Não existe esse tal inferno
Muito menos esse tal céu
O que existe é o ambiente em que vivemos
Céu e inferno são simplesmente metáforas
De nossas pífias vidas
Enganadas por muitos, ajudadas por poucos
E vejo aqui na Terra
Minhas justificativas
Para tudo que penso
Olho em volta
Vejo que céu e inferno
Estão na boca de todos nós
E que realmente estamos todos no lugar certo

Nem no céu, nem no inferno
Mas sim, na Terra
Abandonados pelo universo
Vidas póstumas, mortes cada vez mais vivas
Quem faz céu ou inferno na vida do homem
É o próprio homem
Céu e inferno continuam de mãos dadas
Enquanto o ser humano
Que pouco é humano
Só anda de mãos dadas com outro
Quando há guerra
Matam em nome daquilo
Que não podem provar
Quanto mais os povos se encontram
Mais a humanidade se perde
Não deveria ser assim
Mas, quem sou eu mesmo?

15 agosto, 2013

Talvez

     Uma blusa listrada, cheia de pelos e fiapos, um pequeno rasgo na altura do ombro esquerdo, era marrom e cinza e foi perdendo a cor com o tempo. Prefiro assim. Mais aconchegante. Um copo de café esfriou-se esquecido por uma mente que viaja de mundo em mundo, sem tempo para perder com viagens curtas, em curto prazo. O relógio de pêndulo já não funciona como antes, também não o limpo direito, já que a sujeira maior eu não posso ver. Dois livros abertos na escrivaninha, é Kafka e Agatha Christie! Costumo ler e deixá-los abertos e espalhados pela casa, odeio essa mania minha, mas não pretendo mudar.
     Na cozinha,  bolacha de água e sal lotando o pote (sou do grupo dos que dizem “bolacha” e não “biscoito”), a porta para o quintal fechada graças ao encosto em forma de tartaruga no canto dela, e café quente na garrafa térmica, em cima da mesma. Ainda tenho um copo de café para beber, e até gelou-se, me esperando. É quinta-feira cedo, não tenho compromisso algum hoje, ganhei folga do serviço e do stress. Stress não combina comigo. Também não tenho nenhuma novidade. O dia está frio, é começo de agosto e gosto do clima assim. Resolvi sentar-me em minha velha cadeira de madeira, que não é de balanço, mas a uso como se fosse. Loucura? Só um pouco. Talvez, um pouco mais que pouco. Talvez.
     Talvez faça sol mais tarde, não faço muita questão dele hoje. Seria bom para esquentar quem mora na rua, ou para quem quer ir à praia. Como eu já disse, para mim tanto faz. O aparelho de som velho - que bem poderia ser uma vitrola - está com o volume baixo e dá para ouvir os poucos pássaros lá fora. Eles não devem gostar muito de frio, mas logo será a estação deles. Se fosse há anos atrás acenderia um cigarro, mas como são anos depois, não acendo mais. Saudades de alguns amigos, saudades de meus pais. Casa fechada e Rock inglês me faz sentir saudade à esmo, até de quem troquei idéias há poucos dias atrás, mas o momento é apreciável e me permite, então, aproveito.
     Assim que eu terminar de beber este café e de ouvir este disco dos Inspiral Carpets, quebrarei o ritmo e colocarei Too Hot To Handle, para mim, o melhor disco Funk que existe. Contagia-me, me tira deste clima sombrio pelo qual me encontro – e que gosto bastante. Variar nem que seja um pouco, ao dia, faz muito bem.

     Talvez eu possa mais tarde também, abrir as janelas e olhar para o mundo, mudar o disco novamente (tenho a péssima mania de querer ouvir milhares de músicas a curto tempo) e ouvir o disco das ruas. Consigo ouvir Racionais ao olhar para aquele garoto pedindo moedas no farol. Ninguém se importa com ele, quanta ignorância não virar o rosto e dar pelo menos um sorriso a uma criança carente! Também consigo bater os pés imaginando o ritmo de Jive Talkin’ ao ver esses grandes arranha-céus da capital paulista. De certa forma, esta cidade me fascina. E por que não ouvir todas as músicas ao mesmo tempo ao ver aquela estação do Metrô lotada a menos de 100 metros daqui, ouvindo milhares de pessoas reclamando ao mesmo tempo? Pois é, talvez eu faça tudo isso hoje, talvez não. Talvez eu possa ficar aqui sentado o dia inteiro imaginando o que eu poderia ter feito, o que eu poderia não ter feito, o que farei  e o que não farei amanhã. Refletindo sobre tudo isso, posso ter a certeza que a melhor saída é sentir o momento; e meu momento é café gelado, dois livros mofados abertos, casa antiga e escura, relógio velho de pêndulo, pensando qualquer coisa e usando blusa e calça velhas, chinelo e meia, afinal, amanhã o stress volta, e esta maravilhosa brisa ficará de lado, esperando pela minha próxima folga, sem dinheiro no bolso.

01 agosto, 2013

Bola de Neve

De dose em dose
O copo se encheu
De gole em gole
O bêbado caiu
De dia em dia
O mês se passou
De hospital em hospital
O bêbado morreu

De tristeza em tristeza
Seu filho se acostumou
De ano em ano
O garoto cresceu
De queda em queda
Ele se malandreou
De consciência em consciência
Ele permaneceu

De banho em banho
O já grande homem se sujou
De suor em suor
Ele trabalhou
De trabalho em trabalho
A semana acabou
De semana em semana
O armário se esvaziou

De lágrima em lágrima
A mulher se fortaleceu
De tapa em tapa
Ela se revoltou
De denúncia em denúncia
O safado perdeu
De tempo em tempo
A renovada mulher se superou

De sorriso em sorriso
Ela o cativou
De história em história
Ele a conheceu
De beijo em beijo
Ela o ganhou
De sorriso em sorriso
Ele a amou.