15 agosto, 2013

Talvez

     Uma blusa listrada, cheia de pelos e fiapos, um pequeno rasgo na altura do ombro esquerdo, era marrom e cinza e foi perdendo a cor com o tempo. Prefiro assim. Mais aconchegante. Um copo de café esfriou-se esquecido por uma mente que viaja de mundo em mundo, sem tempo para perder com viagens curtas, em curto prazo. O relógio de pêndulo já não funciona como antes, também não o limpo direito, já que a sujeira maior eu não posso ver. Dois livros abertos na escrivaninha, é Kafka e Agatha Christie! Costumo ler e deixá-los abertos e espalhados pela casa, odeio essa mania minha, mas não pretendo mudar.
     Na cozinha,  bolacha de água e sal lotando o pote (sou do grupo dos que dizem “bolacha” e não “biscoito”), a porta para o quintal fechada graças ao encosto em forma de tartaruga no canto dela, e café quente na garrafa térmica, em cima da mesma. Ainda tenho um copo de café para beber, e até gelou-se, me esperando. É quinta-feira cedo, não tenho compromisso algum hoje, ganhei folga do serviço e do stress. Stress não combina comigo. Também não tenho nenhuma novidade. O dia está frio, é começo de agosto e gosto do clima assim. Resolvi sentar-me em minha velha cadeira de madeira, que não é de balanço, mas a uso como se fosse. Loucura? Só um pouco. Talvez, um pouco mais que pouco. Talvez.
     Talvez faça sol mais tarde, não faço muita questão dele hoje. Seria bom para esquentar quem mora na rua, ou para quem quer ir à praia. Como eu já disse, para mim tanto faz. O aparelho de som velho - que bem poderia ser uma vitrola - está com o volume baixo e dá para ouvir os poucos pássaros lá fora. Eles não devem gostar muito de frio, mas logo será a estação deles. Se fosse há anos atrás acenderia um cigarro, mas como são anos depois, não acendo mais. Saudades de alguns amigos, saudades de meus pais. Casa fechada e Rock inglês me faz sentir saudade à esmo, até de quem troquei idéias há poucos dias atrás, mas o momento é apreciável e me permite, então, aproveito.
     Assim que eu terminar de beber este café e de ouvir este disco dos Inspiral Carpets, quebrarei o ritmo e colocarei Too Hot To Handle, para mim, o melhor disco Funk que existe. Contagia-me, me tira deste clima sombrio pelo qual me encontro – e que gosto bastante. Variar nem que seja um pouco, ao dia, faz muito bem.

     Talvez eu possa mais tarde também, abrir as janelas e olhar para o mundo, mudar o disco novamente (tenho a péssima mania de querer ouvir milhares de músicas a curto tempo) e ouvir o disco das ruas. Consigo ouvir Racionais ao olhar para aquele garoto pedindo moedas no farol. Ninguém se importa com ele, quanta ignorância não virar o rosto e dar pelo menos um sorriso a uma criança carente! Também consigo bater os pés imaginando o ritmo de Jive Talkin’ ao ver esses grandes arranha-céus da capital paulista. De certa forma, esta cidade me fascina. E por que não ouvir todas as músicas ao mesmo tempo ao ver aquela estação do Metrô lotada a menos de 100 metros daqui, ouvindo milhares de pessoas reclamando ao mesmo tempo? Pois é, talvez eu faça tudo isso hoje, talvez não. Talvez eu possa ficar aqui sentado o dia inteiro imaginando o que eu poderia ter feito, o que eu poderia não ter feito, o que farei  e o que não farei amanhã. Refletindo sobre tudo isso, posso ter a certeza que a melhor saída é sentir o momento; e meu momento é café gelado, dois livros mofados abertos, casa antiga e escura, relógio velho de pêndulo, pensando qualquer coisa e usando blusa e calça velhas, chinelo e meia, afinal, amanhã o stress volta, e esta maravilhosa brisa ficará de lado, esperando pela minha próxima folga, sem dinheiro no bolso.

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