Uma blusa
listrada, cheia de pelos e fiapos, um pequeno rasgo na altura do ombro
esquerdo, era marrom e cinza e foi perdendo a cor com o tempo. Prefiro assim.
Mais aconchegante. Um copo de café esfriou-se esquecido por uma mente que viaja
de mundo em mundo, sem tempo para perder com viagens curtas, em curto prazo. O
relógio de pêndulo já não funciona como antes, também não o limpo direito, já
que a sujeira maior eu não posso ver. Dois livros abertos na escrivaninha, é
Kafka e Agatha Christie! Costumo ler e deixá-los abertos e espalhados pela
casa, odeio essa mania minha, mas não pretendo mudar.
Na cozinha, bolacha de água e sal lotando o pote (sou do
grupo dos que dizem “bolacha” e não “biscoito”), a porta para o quintal fechada
graças ao encosto em forma de tartaruga no canto dela, e café quente na garrafa
térmica, em cima da mesma. Ainda tenho um copo de café para beber, e até
gelou-se, me esperando. É quinta-feira cedo, não tenho compromisso algum hoje,
ganhei folga do serviço e do stress. Stress não combina comigo. Também não tenho
nenhuma novidade. O dia está frio, é começo de agosto e gosto do clima assim. Resolvi
sentar-me em minha velha cadeira de madeira, que não é de balanço, mas a uso
como se fosse. Loucura? Só um pouco. Talvez, um pouco mais que pouco. Talvez.
Talvez faça sol
mais tarde, não faço muita questão dele hoje. Seria bom para esquentar quem
mora na rua, ou para quem quer ir à praia. Como eu já disse, para mim tanto
faz. O aparelho de som velho - que bem poderia ser uma vitrola - está com o
volume baixo e dá para ouvir os poucos pássaros lá fora. Eles não devem gostar
muito de frio, mas logo será a estação deles. Se fosse há anos atrás acenderia
um cigarro, mas como são anos depois, não acendo mais. Saudades de alguns
amigos, saudades de meus pais. Casa fechada e Rock inglês me faz sentir saudade
à esmo, até de quem troquei idéias há poucos dias atrás, mas o momento é
apreciável e me permite, então, aproveito.
Assim que eu terminar de beber este café e de
ouvir este disco dos Inspiral Carpets, quebrarei o ritmo e colocarei Too Hot To
Handle, para mim, o melhor disco Funk que existe. Contagia-me, me tira deste
clima sombrio pelo qual me encontro – e que gosto bastante. Variar nem que seja
um pouco, ao dia, faz muito bem.
Talvez eu possa
mais tarde também, abrir as janelas e olhar para o mundo, mudar o disco
novamente (tenho a péssima mania de querer ouvir milhares de músicas a curto
tempo) e ouvir o disco das ruas. Consigo ouvir Racionais ao olhar para aquele
garoto pedindo moedas no farol. Ninguém se importa com ele, quanta ignorância não
virar o rosto e dar pelo menos um sorriso a uma criança carente! Também consigo
bater os pés imaginando o ritmo de Jive Talkin’ ao ver esses grandes
arranha-céus da capital paulista. De certa forma, esta cidade me fascina. E por
que não ouvir todas as músicas ao mesmo tempo ao ver aquela estação do Metrô
lotada a menos de 100 metros daqui, ouvindo milhares de pessoas reclamando ao
mesmo tempo? Pois é, talvez eu faça tudo isso hoje, talvez não. Talvez eu possa
ficar aqui sentado o dia inteiro imaginando o que eu poderia ter feito, o que
eu poderia não ter feito, o que farei e
o que não farei amanhã. Refletindo sobre tudo isso, posso ter a certeza que a melhor
saída é sentir o momento; e meu momento é café gelado, dois livros mofados
abertos, casa antiga e escura, relógio velho de pêndulo, pensando qualquer coisa e usando blusa e calça velhas, chinelo e meia, afinal, amanhã o stress volta, e esta maravilhosa
brisa ficará de lado, esperando pela minha próxima folga, sem dinheiro no
bolso.
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