11 agosto, 2018

O Homem Invisível

Ele não se vê em nenhum desses grupos de amigos de infância, nunca está em nenhuma foto de familiares, nunca é lembrado pelas pessoas que já participaram de sua vida e insiste em acreditar que isso tudo são apenas detalhes de uma vida vazia e ignorada pelos demais. Ele observava sua presença sendo ofuscada por qualquer outra pessoa que passava por perto e se lamentava a cada vez que alguém que ele gostava olhava para outrem de um jeito que mil palavras não são suficientes para dizer que o que foi visto não aconteceu. Quando criança, ele vivia a observar os sofrimentos cotidianos dos peões desse tabuleiro de xadrez e, quando cresceu, desenvolveu fobias diversas. Ao crescer, experimentou alguns prós da vida social e, no fim das contas, percebeu que nada nunca fez sentido e que ele não era aquilo. Ao concentrar-se novamente em si mesmo, percebeu que seu dom de saber observar tudo à sua volta também lhe traria muitos sofrimentos, pois a vida e as pessoas nunca eram como ele imaginava em seu mundo interior ideal. O mundo é mentiroso, e as pessoas, também. Ele passou a desenvolver, além de muitas fobias, também muitas frustrações amorosas, sociais e profissionais. Viu a sociedade tapar os olhos para suas dores e, na contramão disso, passou a atrair a atenção de pouquíssimas pessoas que sempre tiveram o mundo aos seus pés. Elas tentaram ajudá-lo neste caminho árduo da sobrevivência conflituosa, mas simplesmente nada o convencia mais de que a vida, o amor e a sociedade não tinham mais solução. De tanto observar, ele via o que não queria, e de tanto ver o que não queria, ele se fechava e sentia uma vontade incomum de arrancar os próprios olhos. Ele se afastava de pessoas que ele amava porque percebia que um dia seria prejudicial à vida delas, e elas, assim como toda a sociedade, não estavam preparadas para lidar com um ser tão fora da curva, e isso lhe sangrava na alma a todo instante. Ele passou a sobreviver utilizando suas frustrações, reflexões destrutivas e flashes de cenas dolorosas que já observou como combustível para, ironicamente, seguir em frente. Perdeu pessoas e dizia a ele mesmo que nunca mais se aproximaria para atrasar a vida de ninguém, mas a vida reserva surpresas e novos episódios foram escritos enquanto ele mal conseguira assimilar a frustração dos episódios anteriores. Ele sabia que, com sua situação psicológica severamente comprometida devido às frustrações e humilhações que passou, não conseguiria mais satisfazer e ser "o inesquecível" na vida de ninguém. E os fatos provaram exatamente o que ele imaginava. Limitado e ainda mais afetado pelos fantasmas do amargor de sua vida, ele percebeu o que talvez já sabia: que era um peso na vida das poucas pessoas que restaram. Ele não precisou ouvir isso de ninguém, pois, o que se vê, nem com mil palavras é refutado. E de tanto ver o que não queria, arrancou os próprios olhos para não arrancar o próprio coração. A dor e o sangue que caía sobre a pia eram pormenores se comparados à dor que ele sempre sentiu por dentro. A pior dor veio depois que ele percebeu que os olhos arrancados não arrancava os flashes de cenas que o machucava e de momentos bons que ele não era mais capaz de ter. Ele é invisível, mas existe. Hoje, sem olhos e enjaulado em suas próprias frustrações e crises intermináveis, simplesmente alimenta seu corpo já enfraquecido imaginando um mundo que só existe dentro de sua mente e em nenhum outro lugar.

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